quarta-feira, 25 de julho de 2007

DICA DE LEITURA

O presente texto não é de minha autoria. Achei-o importante pela abordagem do tema que trata do envelhecimento de profissionais que viveram para o ambiente organizacional e posteriormente apresentaram quadros depressivos.

Este livro, apesar de já publicado, foi o que depreendi ao ler o artigo abaixo, me fez recordar meu trabalho de conclusão de curso que também tratou do envelhecimento, porém, relacionado com a questão da memória social e que teve por base o pensamento de HALWABCKS.

O link para consultar esta materia é:

http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/junho2005/ju293pag11.html

Livro traz histórias de idosos que viveram para o trabalhoe apresentam sintomas depressivos após a aposentadoria

ELOS REFEITOS

LUIZ SUGIMOTO
Irineu, primeiro filho homem de uma família nipônica, foi criado para ser o provedor da casa. Quando pequeno, seu pai o chamou e lhe mostrou a viga mestra que sustentava a residência: “Você é aquela viga, se você ruir, vai ruir tudo”. Irineu foi à luta, passou pelas provas de uma educação severa, tanto escolar como familiar. Formou-se economista, trabalhou como nunca, constituiu família, criou filhos igualmente bem-sucedidos e aposentou-se com uma renda de 20 salários mínimos, o suficiente para o gozo de um merecido descanso. Mas o que deveria ser um período de paz virou pesadelo e Irineu caiu em depressão profunda, refugiando-se no quarto por quatro meses. Sentiu-se perdido porque perdeu o trabalho.

Carlos, pardo, filho de mãe índia e pai italiano, estudou por quatro anos em escola de padres para meninos pobres, mas aos 13 já estava na metalúrgica produzindo certo componente para freios, respondendo por uma cota de 3 mil peças por dia. Só fez trabalhar na vida, assim, repetitivamente. Quando precisava ganhar mais, recorria às horas extras; quando quis comprar sua casa, trabalhou aos sábados e domingos e vendeu as férias. Aposentou-se ganhando a metade do salário. Não encontrou sossego nem no espaço do lar, onde a mulher o tratava como vagabundo e mandava que arrumasse a cozinha, em reprimenda por não conseguir outro emprego. Menosprezado sempre que implorava uma vaga nas empresas, deu-se conta do significado da menos valia e caiu em depressão.

Augusta, uma negra analfabeta, foi lavradora e depois empregada doméstica na cidade. Comeu o pão que o diabo amassou, sem nunca perder a fé e a capacidade de enfrentamento. É possível que, por não ter passado pela escola, mantivesse ilesa a sua espontaneidade criadora, o que a tornou capaz de superar os dramas da vida porque alimentava sempre a expectativa de que algo de bom se abriria mais à frente. Se para os companheiros idosos o asilo é uma perda, a última estação, para Augusta é um ganho, o abrigo onde pode manter o relacionamento digno e igualitário que a sociedade sempre lhe negou. Augusta chega à velhice psicologicamente íntegra.

As trajetórias de Irineu, Carlos, Augusta e outras histórias de vida dos aposentados estão no livro Elos refeitos, de autoria do psicólogo Jaime Lisandro Pacheco, pesquisador convidado do Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas (FCM). Fruto de tese de doutorado defendida na Faculdade de Educação da Unicamp, sob orientação da professora Olga Von Simson, o livro está no prelo, prestes a ser lançado em co-edição com a Editora Setembro, que mantém uma linha de títulos voltada para o envelhecimento humano. “Não se trata de obra dirigida apenas a pesquisadores, apesar do respeito à linguagem científica e das notas de rodapé. Meu objetivo é colaborar para que adultos maduros, que passarão por este processo, façam uma reflexão sobre si mesmos, e também subsidiar profissionais de recursos humanos envolvidos na preparação de trabalhadores para a vida de aposentados”, afirma Pacheco.

Observação – Segundo o pesquisador, o livro nasceu de uma observação antiga, quando coordenava a residência de psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) no Núcleo de Atenção ao Idoso, então um programa novo que se tornaria um dos maiores do país, atendendo a cerca de 2 mil pessoas. “Observamos que 50% dos idosos apresentavam sintomas depressivos e depressão moderada ou severa, na maioria das vezes porque não conseguiam viver sem o trabalho, por mais massacrante que fosse o ofício e por mais que tivessem desejado jogar tudo para o alto e sonhado com a aposentadoria. Agora, eu quis investigar como a educação formal formata o indivíduo para o trabalho e a dificuldade que ele, na inatividade, encontra para criar novos círculos de amizade e refazer sua história”, ressalta.

Jaime Pacheco lembra que os idosos de hoje freqüentaram a escola por volta dos anos 1940 e 50, quando os alunos eram obrigados a pôr-se de pé à entrada do professor, sendo impensável contestá-lo. Ali, já começavam a ser enquadrados para o trabalho assalariado, repetitivo, taylorista, sem sentido, que consumiria o melhor dos seus dias para depois “premiá-los” com a aposentadoria. Paralelamente à formatação feita na educação formal, havia o discurso da família e de instituições como a igreja, pregando que “o trabalho dignifica o homem”, que uma pessoa só poderia se realizar pelo trabalho, não importando qual fosse. “Hoje, a carteira assinada é importante porque nos assegura direitos. Mas, no início dos anos 1970, havia o crime de vadiagem, e o indivíduo precisava andar com a carteira profissional no bolso para provar à polícia que era cidadão honesto e trabalhador”, ilustra.

No momento da aposentadoria, de acordo com o psicólogo, o ex-trabalhador vive duas situações: a primeira, ao trocar a atividade produtiva, com todas as suas relações sociais, por papéis secundários que provocam um sentimento de menos valia; a segunda, ao se ver na porta de entrada para a velhice, num mundo moderno onde ser velho significa não ser efetivamente respeitado pelo conjunto da sociedade e, às vezes, pela própria família. “Quando o presidente Fernando Henrique sugeriu que quem se aposenta antes da velhice é vagabundo, não pretendeu atacar os aposentados com sua declaração infeliz, apenas refletiu o que está na cabeça dos ocidentais: que só têm valor os que trabalham, produzindo segundo os moldes capitalistas”, compara.

Método – Jaime Pacheco dispunha de duas formas de viabilizar sua pesquisa. Uma era a quantitativa, elaborando e aplicando um questionário em grande amostra de idosos, computando os dados para corroborar ou não sua hipótese. Outra era o método biográfico, através de depoimentos dos idosos, mergulhando na relação que eles mantiveram com a escola, a família e o trabalho. Convivendo há bom tempo com idosos do Lar dos Velhinhos de Campinas e do Ambulatório de Neuropsiquiatria e Saúde Mental do Idoso no Hospital das Clínicas (HC) da Unicamp, o psicólogo selecionou oito sujeitos – cinco institucionalizado e três não institucionalizados –, todos ex-trabalhadores apresentando sintomas depressivos, mas de diferentes classes sociais e etnias.

“Minha proposta foi tecer e comparar histórias. É um processo trabalhoso, pois não se trata de dar um tratamento estatístico à pesquisa, mas de partilhar da caminhada de cada idoso e entender como as perdas na vida sem o trabalho, executando papéis de menos valia, levaram a estados depressivos”, descreve Pacheco. Em suas conclusões, define a escola formal como formatadora do indivíduo para o trabalho repetitivo, sem dar-lhe a possibilidade de optar por outros meios de sobrevivência. “A escola, quanto mais da classe popular, mais formatadora”, resume.

Outro problema apontado pelo psicólogo é a falta de espaço para que o idoso fale sobre si mesmo, a fim de se entender como sujeito socialmente produzido. “Quando o aposentado compreende que a culpa não é dele – ‘devia ter estudado mais, trabalhado mais, poupado mais’ –, mas sim do sistema, torna-se capaz de refazer seus projetos de vida, sair do estado depressivo e buscar seu espaço enquanto sujeito criativo. Com a terapia e as nossas conversas em grupo, Irineu, o filho de japoneses, se conscientizou de que era fruto de um processo educacional e cultural extremamente severo. Hoje, é outra pessoa”, assegura o pesquisador, que mantém a relação de amizade com os entrevistados.

Comparando histórias como as de Irineu, Carlos e Augusta, Jaime Pacheco concluiu, também, que a condição financeira e o grau de escolaridade não são determinantes para o estado depressivo na aposentadoria, embora seja natural pensar que ao pobre restariam poucas alternativas para refazer seu mundo, enquanto o rico poderia se ocupar com um hobby ou lazer. “O Lar dos Velhinhos abriga uma senhora judia, Ester, que se casou na França com um filho de diplomata e, nos anos de 1940 e 50, viajou o mundo. Sem filhos, perdeu o marido e tudo o que possuía por uma série de contingências. A questão não é a origem ou quanto o idoso possui, mas o que sobra dele

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