HÉLIO MÁRIO DE ARRUDA *
1. Introdução
O momentoso tema do assédio sexual tem sido preocupação dos estudiosos do direito pátrio. Há proposta da Comissão de Reforma do Código Penal de criminalizar o assédio sexual. Seria crime "assediar alguém com violação do dever do cargo, ministério ou profissão, exigindo direta ou indiretamente prestação de favores sexuais como condição para criar ou conservar direito ou para atender a pretensão da vítima".
TÉCIO LINS E SILVA, emérito criminalista carioca, posiciona-se contra a tipificação do assédio no Código Penal, considerando tal intenção de um moralismo reacionário, contraproducente. Considera ele que o Código Penal no crime de constrangimento ilegal, previsto no artigo 146, já estabelece sanções para os casos em que o indivíduo é coagido a fazer ou deixar de fazer alguma coisa. "Ele vale para a obtenção de favores sexuais ou para qualquer outra espécie de pressão. Não é preciso criar um tipo especial para as situações de assédio. Seria uma medida deseducativa; as pessoas poderiam se retrair nas relações. Daqui a pouco, será perigoso piscar o olho ou dar um sorriso para alguém" (Tribuna do Advogado, OAB/RJ, maio/98, n° 247, p. 10/11).
No campo específico do direito do trabalho o assédio sexual é visto como atitude que degrada o ambiente do trabalho e provoca enorme constrangimento ao assediado, sendo causa de rescisão indireta do contrato de trabalho, pelo descumprimento, pelo empregador das obrigações contratuais, nelas se incluindo o dever de um tratamento respeitoso ao(a) empregado(a), ou pela prática de ato lesivo da honra e boa fama do(a) empregado(a) (CLT, art. 483, alíneas "d" e "e") e a resolução do contrato por justa causa cometida pelo alto(a) empregado(a) e/ou detentor(a) de cargo de chefia, por mau procedimento ou incontinência de conduta, em relação a um empregado(a) subordinado(a).
Diz-se rescisão indireta do contrato de trabalho aquela que ocorre por justa causa cometida pelo empregador, ou seja os donos da empresa, seus diretores, seus prepostos, seus altos empregados (alter ego do empregador). O empregado é contratado para trabalhar e não para atender aos desejos sexuais do empregador. O assédio sexual implica em constrangimento e sofrimento moral para o assediado, que ofende sua honra e boa-fama.
Em se tratando de justa causa cometida pelo empregado, obviamente que colocado em posição hierárquica superior a outro empregado, a maioria da doutrina e da jurisprudência enquadra como incontinência de conduta, ou seja um desregramento moral da conduta sexual. Alguns autores tudo englobam tal desregramento no conceito genérico de mau procedimento.
2. Justa causa
O assédio sexual pode ter com agente o empregador (pessoa física e os sócios ou diretores da empresa), seus prepostos, nestes compreendidos os altos empregados ou detentores de cargos de chefia, e pelo empregado que também ocupe um cargo hierarquicamente superior a outro empregado, seu subordinado, o(a) assediado(a). Haverá sempre a necessidade de configuração da ascendência hierárquica ou econômica que possibilitem externar ao assediado promessas ou ameaças concretas.
MARLY CARDONE, conceitua o assédio sexual como "a atitude de alguém que, desejando obter favores libidinosos de outra pessoa, causa a esta constrangimento, por não haver reciprocidade. (...) Se assédio e insistência, para que exista o comportamento que estamos pretendendo definir necessário se torna que haja freqüentes investidas do assediador junto à pessoa molestada", in artigo intitulado "O "ASSÉDIO SEXUAL" COMO JUSTA CAUSA", publicado no "Repertório IOB de Jurisprudência", n.° 23/94, p. 393.
Além do constrangimento causado, o assédio implica em investidas reiteradas em relação a alguém, ou seja caracteriza a insistência importuna, pretendendo favores sexuais como condição para criar ou conservar direito ou para atender a pretensão da assediada.
ALICE MONTEIRO DE BARROS, assinala que "só o repúdio manifesto a uma solicitação sexual ou a oposição declarada a uma atitude sexual ofensiva justifica a ação judicial. Galanteios ou meros elogios acompanhados de certas sutilezas comuns entre os povos, principalmente latinos, não caracterizam o assédio sexual", in artigo intitulado "DANO MORAL NA JUSTIÇA DO TRABALHO", publicado na revista "TRABALHO & DOUTRINA", n. 16, março de 1998, p. 60.
Correta a análise da magistrada e mestra das Alterosas, porque dentro na nosso temperamento latino é natural os cumprimentos calorosos, bem como atitudes de galanteria com sentido mais espirituoso do que propriamente de assédio, sendo certo que a pessoa agraciada com o galanteio normalmente sabe se desvencilhar daqueles que lhe são indesejáveis. O juiz ao se deparar com situações de tal jaez, há que perquirir as dimensões exatas do galanteio, se este excedeu o limite do razoável, dando a essa atitude a qualificação de incontinente, ou seja de pessoa imoderada em sensualidade.
De clareza meridiana é o didático esquema proposto por LUIZ CARLOS TEIXEIRA BOMFIM: "Quem quiser compreender o que é assédio sexual deve tomar por referência quatro substantivos abstratos: pelo lado assediante, ascendência e chantagem; pelo lado do assediado, subordinação e constrangimento.(...) Qualquer que seja a "combinação", há assédio quando alguém, valendo-se de qualquer tipo de ascedência - hierárquica ou econômica - constrange outra pessoa ao contato sexual, mediante promessa ou ameaça." (ASSÉDIO SEXUAL, publicado no "O Globo", de 17.02.98.
ALICE MONTEIRO DE BARROS defende a adoção de "uma estrutura legislativa de âmbito federal, contendo um conceito mais amplo de assédio sexual e prevendo a responsabilidade não apenas do empregador, mas de qualquer superior hierárquico ou colega de trabalho do empregado e até mesmo de cliente do estabelecimento. A responsabilidade solidária de empregador nos parece a melhor solução, mormente se considerarmos a tendência de nosso direito a responsabilizar o empregador pelos atos de seus prepostos, como se infere do art. 483, § 1° da CLT. A responsabilidade objetiva e subsidiária do empregador, no tocante à indenização, deverá ser imposta, ainda quando o assédio é praticado por colega de trabalho do empregado ou cliente do estabelecimento, por ser aquele o titular do poder diretivo e assumir os riscos do empreendimento econômico, nos termos do art. 2° da CLT. Logo deverá zelar não só pela organização técnica, mas também pela boa ordem na empresa, onde deverá existir um padrão mínimo de moralidade e de garantia pessoal. O respeito ao direito à initimidade dos empregados é manifestação dessa garantia pessoal.", op. cit. , p. 61.
Recentemente a 16a. Junta de Conciliação e Julgamento do Rio de Janeiro, em sentença de ampla repercussão nacional, da lavra do Juiz Ricardo Areosa, concluiu pelo assédio sexual de um chefe em relação a sua subordinada, que tentou agarrá-la a força por duas vezes. A recusa da empregada resultou da sua demissão apesar de estar grávida de um mês. A Junta condenou a empresa em indenização de R$ 300.000,00, por danos morais.
Registre-se que mesmo sem haver o assédio mas simples molestamento sexual, ou seja um único ato de incomodar alguém objeto do desejo carnal, como um abraço prolongado, um beijo roubado, toques, palavras e gestos obscenos ou exibição de partes do corpo, pode configurar a justa causa consistente na incontinência de conduta.
3. Prova
A prova do assédio sexual será feita mediante documentos (bilhetes, por exemplo), testemunhas, exibição de documento ou coisa (roupa rasgada, por exemplo), perícias em filmes ou fitas gravadas ou mesmo em roupas (rasgões ou restos de secreções), além da confissão e outros meios de prova em direito permitidos. O Juiz ao julgar analisará a prova e os indícios para que possa decidir sobre a existência ou não do assédio sexual.
4. Indenização por dano moral
A Constituição da República, em vigor, assegura o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente da violação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas (art. 5°, inciso X), que tem inteira aplicação a relação de emprego.
Assim sendo, o(a) assediado(a) tem legítimo direito de pleitear judicialmente além das verbas decorrentes da despedida indireta ou da dispensa injusta, a indenização por dano moral. Admito ainda a hipótese de ser somente pleiteada a indenização reparatória do ultraje moral, sem a ruptura do pacto laboral, se assim entender possível o(a) ultrajado(a).
A indenização deve ser em valor que traga conforto espiritual e material ao(a) assediado(a), repudiando-se a fixação de um valor meramente simbólico, que nada represente para o(a) ofendido(a). Na lição de Eduardo Gabriel Saad:
"De há muito, perdeu consistência o velho argumento de que o dano moral não indenizável porque a dor, o sofrimento, a honra não estão sujeitos a uma aferição financeira.
Já se pacificou, na doutrina e na jurisprudência, o entendimento de que a indenização do dano imaterial tem dupla finalidade: é punitiva e é compensatória.
Quem for responsável por um dano moral deve ser castigado pela ofensa feita a outrem e, assim, dissuadido de repetir esse ato ilícito.
A indenização em pecúnia, no caso, é para provocar prazer na vítima da ofensa, o que lhe servirá de compensação à dor sofrida."(TEMAS TRABALHISTAS (02), I – O DANO MORAL E A CLT, publicado no Ltr Suplemento Trabalhista, 014/97, p. 073.
A indenização por dano moral tem fundamento constitucional e não se confunde com a indenização trabalhista decorrente da rescisão contratual, porque aquela decorre do ato ilícito da violação à intimidade, a vida privada, a honra e a imagem do(a) empregado(a).
1. Conclusão
Na verdade, pois não há que se falar em uma justa causa específica denominada assédio sexual, mas que tal comportamento se insere no conceito legal de incontinência de conduta, de infringência as normas contratuais ou na ofensa à honra e a boa fama do assediado.
Do juiz que apreciar controvérsia acerca do assédio sexual se espera que pondere as circunstâncias do fato alegado, se de fato houve excesso sensual mediante promessa ou ameaça, se ocorreu unicamente o molestamento sexual, ou se o fato se resumiu ao mero galanteio.
Da atitude danosa à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas, poderá resultar o dever do ofensor indenizar a sua vítima.
* Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 17a, Região. Professor de Direito do Trabalho da Universidade Federal do Espírito Santo e da Escola da Magistratura do Trabalho do Espírito Santo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário