quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Todo chefe tem de ser um bruto?


Fonte: Revista Epoca - Edição 469

Novos estudos explicam os mecanismos que favorecem os narcisistas, stúpidos e idiotas na escalada profissional dentro das empresas. E mostram que o líder mais apto a subir na empresa raramente é o mais eficiente
Steve Fishman, da New York, e Mauro Silveira


Os psicólogos em geral têm pouca paciência com esse tema. “De onde eles tiram isso?”, pergunta Robert Hogan. Para os psicólogos, a personalidade é uma combinação de cinco conjuntos de traços: abertura, consciência, extroversão, amabi-lidade, neurose. Pesquisadores encontraram uma correlação moderada entre cada um dos cinco traços e a eficiência do chefe. Mas, quando os traços foram amalgamados em um tipo de perfil, sua relação com a eficiência provou ser mais forte que a inteligência, uma qualidade que todo chefe supostamente deve ter.
A sua própria maneira, os psicólogos organizacionais também têm crenças esotéricas. Eles consideram abertura o traço de personalidade mais importante. Alguém aberto está pronto para aceitar novas experiências, novas idéias, novas pessoas. Ele não é dogmático. Gosta de diversidade. Ele não é um mestre de tarefas viciado na rotina que berra ordens hierarquia abaixo. Organizações mudam rapidamente hoje em dia. Supostamente, elas devem ser ágeis, e os chefes também.
A pessoa conscienciosa é pontual, cumpre prazos, tem uma boa ética de trabalho. É um traço mais relevante para quem está subindo, menos crucial para quem está no topo. A pessoa amável gosta de todo mundo e gosta de ser amada. É um excelente traço para um membro da equipe, não muito para o chefe. Na realidade, a liderança eficaz se correlaciona com uma baixa amabilidade. A psicóloga Sofia Esteves, sócia-diretora da DM Recursos Humanos, diz que carregar a marca de bonzinho torna o crescimento profissional mais difícil. “Não digo que não há possibilidade de uma pessoa tida como boazinha chegar a uma posição de chefia, mas ela certamente terá de trabalhar dobrado para garantir o resultado e contar com a ade-são das pessoas.” Alguém com elevado nível de neurose é um alarmista nato. Ele é nervoso e dado à ansiedade.
Quando a questão é se uma personalidade é boa ou má, simpática ou ruim, o psicólogo organizacional é agnóstico. Em certas circunstâncias, você pode querer um chefe neurótico. “Nossas pesquisas demonstram que os neuróticos são emocionalmente expressivos”, diz Adler. “Eles são honestos e têm senso de urgência. Às vezes isso é exagerado, o que cria ansiedade desnecessária, mas outras vezes ela tem um lugar.”
Adler e seus colegas às vezes observam as nuanças das diferentes personalidades ao colocar uma dezena de pesso-as numa sala de conferências e dar-lhes uma hora para realizar alguma tarefa. Aí pedem que o grupo vote em um líder. O exercício reflete a maneira como muitas vezes se escolhem os chefes.
Nenhum estudo concluiu que carisma e desempenho andam juntos. A única coisa com que o carisma anda junto é o salário
Em sua forma mais pura, o intuito é observar como o grupo interage quando não existe uma estrutura. Muitas vezes você encontra os cinco perfis representados. Existe pelo menos uma personalidade amável. Essa pessoa pode ter as melhores idéias, mas as apresenta de maneira educada, até humilde. Existe o neurótico olhando para o relógio. Ele é o tipo emotivo que eleva a voz. Existe um empreendedor (um elemento de consciência). Ele está cheio de idéias e determinado a encontrar o melhor resultado. Pode haver um obsessivo, tomando nota de tudo, garantindo que todos se atenham ao tópico. Invaria-velmente uma figura de líder emerge dessa miscelânea, muitas vezes o mesmo tipo de pessoa. Os pesquisadores o chamam de “líder emergente”, que é diferente do “líder eficiente”. O líder emergente parece ser o melhor chefe e, na maioria das vezes, ganha o cargo. Mas será um chefe eficiente?
Pesquisas como essa raramente fornecem informações sobre a eficiência. Elas só mostram o que uma pessoa precisa fazer para ser percebida como líder. Fica claro que as pessoas, inclusive as que cuidam da contratação, selecionam chefes com base naquilo que elas pensam que chefes devem ser. Hogan destaca o fato de que “gerentes raramente são promovidos com base em seus talentos para a liderança”.
O desafio é ir além do grupo de liderança e separar o líder emergente do eficiente; o arrivista bem-sucedido do bom chefe. A dificuldade é que existe pouca coincidência entre o grande arrivista e o grande líder – 10% é tudo o que se constatou. O narcisista inevitavelmente tem um bom desempenho na experiência da sala de conferência, em parte porque consegue agir como se já fosse o chefe. Em grupos de liderança (como em festas de jantar) ele é um perito. O líder emergente pode não dar nenhum valor à opinião das pessoas. Mas parece escutar e se importar.
Talvez a característica mais marcante do líder emergente seja que ele parece carismático. As pessoas adoram carisma, a sensação de que alguma coisa está viva, engajada. Freud provavelmente foi o primeiro a destacar que o narcisista é “o tipo de pessoa que nos impressiona como uma personalidade”. Nós não apenas queremos que nosso chefe goste de nós, queremos gostar dele. Nesse aspecto, carisma é como um pó mágico. Assim, a pessoa com os instintos narcisistas, com comando pessoal e uma capacidade de encher uma sala (especialmente uma sem líder) recebe o tapinha nas costas. E aí começa a calamidade.
Tristemente, uma vez que se torna chefe, o narcisista com freqüência vê o cargo como um degrau para o próximo posto. Arrivistas nem sequer fazem o mesmo trabalho que o gerente eficiente. O carisma pode ser um recurso, um bem, para o arrivista, mas ele não ajuda necessariamente o gerente. “Quatro estudos especializados examinaram o carisma”, diz Robert Kaiser, co-autor, com Hogan, de The Versatile Leader (O Líder Versátil). “Nem um único concluiu que carisma e desempenho andam juntos. A única coisa com a qual o carisma se correlaciona é o salário.”
A promessa dos novos psicólogos empresariais é que eles podem fazer algo a respeito da pessoa absorvida em si antes que ela chegue ao topo. Personalidades não mudam, eles sabem; portanto, é melhor eliminar aqueles que você não quer antes que eles dêem o bote. Para isso utilizam os testes. “Nós determinamos qual é seu estilo preferido”, diz Adler. “Não podemos mudá-lo. Mas podemos medi-lo.”
Empresas buscam personalidades diferentes, mas não há muitas em busca do narcisista radical e consumado. (E cuidado: não existe colega mais tóxico que um narcisista frustrado, com sua fúria e senso de vitimização.)

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