terça-feira, 10 de agosto de 2010

DESGASTES NAS RELAÇÕES DE TRABALHO

Autor do Artigo:


(*) é advogada do escritório Simões e Caseiro Advogados, especializada em direito previdenciário, trabalhista e constitucional.


Fonte: Valor Econômico, por Karina S. A. Magalhães (*),

A Portaria nº 1.510, de 2009, do Ministério do Trabalho, editada para regularizar o denominado ponto eletrônico, surge para estabelecer regras na utilização deste já costumeiro método de anotação da jornada de trabalho, já que até o momento as anotações eletrônicas não possuíam regulamentação específica.

O tema vem sendo alvo de diversas discussões e controvérsias entre os representantes das empresas e dos trabalhadores. Ambos os lados não estão satisfeitos. Do ponto de vista formal a Portaria 1.510 surge de forma regular, entretanto, mediante análise geral a matéria admite inúmeras argumentações.

Com o pretexto de blindar a fraude trabalhista, essa legislação infralegal acabará propiciando, entre outras coisas, desgaste no tempo do pacto laboral e maior ônus ao empresariado, sem garantia de eficácia contra a fraude.

Não menos importante é observarmos que a portaria representa um retrocesso tecnológico, ao impor a alguns empresários o retorno das anotações manuais da jornada de trabalho ou ainda, para aqueles que conseguirem permanecer utilizando o sistema eletrônico com as novas regras, o desperdício considerável diário de papel.

De outro lado, fato é que as principais ocorrências de supressão de horas extras são verificadas por empresas que praticam jornadas extravagantes habitualmente, sem os devidos apontamentos. A portaria certamente não acabará com essa prática, ainda que pudéssemos entender que este tenha sido seu maior objetivo. Os problemas relacionados às horas extras continuarão a ser solucionados na Justiça do Trabalho como ordinariamente ocorre mediante provas testemunhais, periciais etc.

A regulamentação em questão adquiriu forças ante a ausência de regras para as anotações eletrônicas especialmente em razão de decisões judiciais que passaram a questionar o método, como já se verificou após recente decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, que considerou "inválidos os registros de horários apresentados por uma indústria que utiliza um software para o controle da jornada".

De acordo com o relator, desembargador Luiz Alberto de Vargas, da 3ª Turma do TRT-4, o programa de computador, por ser controlado e operado pela empresa, não proporciona segurança ao empregado. "Os autos indicam que os horários de entrada e saída podem ser alterados a qualquer momento no software, a critério do empregador, o que abre margem para fraudes como a supressão de horas extraordinárias".

Mesmo com tal justificativa, muitos trabalhadores que atualmente usufruem das benesses do sistema informativo das empresas, registrando seus pontos nos computadores e acessando on-line extratos mensais de registro de ponto, provavelmente em razão do ônus proporcionado, deixarão de desfrutar dessas vantagens. Ou pior, passarão a integrar as filas para registro no "relógio de ponto" e acumular milhares de tickets oriundos das impressões diárias.

Por estas e outras razões as discussões acerca da portaria estão sendo estabelecidas por entidades representativas dos empresários, como a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Confederação Nacional do Comércio (CNC), e dos trabalhadores, como o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC.

A Portaria nº 1.510 traz como principais objetivos, disciplinar o registro eletrônico de ponto e proporcionar a adequada utilização do sistema de registro eletrônico de ponto (SREP). Em linhas gerais, as mudanças trazidas com a norma foram: proibição de qualquer restrição à marcação de ponto, marcações automáticas e alteração dos dados registrados; a definição de requisitos para o equipamento de registro de ponto; a definição dos requisitos para os programas que farão o tratamento dos dados oriundos do REP; e a definição dos formatos de relatórios e arquivos digitais de registros de ponto que o empregador deverá manter e apresentar à fiscalização do trabalho.

A legislação traz ainda a determinação de impressora integrada ao registrador eletrônico de ponto (REP) para impressão das marcações de ponto; e a impressão dos registros de dados em papel, que deverá manter os dados no período mínimo de cinco anos. Além disso, prevê que a memória de registro de ponto (MRP) deverá armazenar todas as marcações e não poderá ser alterada ou acessada para outra finalidade.

O relógio de alta precisão deverá ter precisão igual ou melhor que de um minuto por ano; possuir porta USB disponível e acessível para coleta de informações para auditoria do Ministério do Trabalho e a memória de registro de ponto não poderá funcionar para outras finalidades, como controle de acesso, acionamento de outros dispositivos etc.

Diante destas considerações, apesar da regularidade formal da qual se reveste a Portaria nº 1.510, de 2009, a discussão acerca dos demais aspectos de legalidade que envolve a matéria permanecerá e é saudável que assim seja, já que os operadores da relação de trabalho após inúmeras conquistas não permitirão imposições abusivas e insensatas como acabou provocando a referida regulamentação. Seguramente, o ponto eletrônico renderá importante debate entre governo, empresários e empregados.

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